sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Um Poema à moda de Alberto Caeiro
Fernando Pessoa, A Dor de Pensar
Pessoa receia a infelicidade por ser consciente, receia a dor de pensar.
O poema 'A Ceifeira' retrata bem o desejo de inconsciência de Pessoa. Toda a simples vida da ceifeira e o seu canto alegre, tendo ela a mísera vida do campo e do luto, são invejados pelo poeta. Ele deseja ser como ela, ser feliz ainda que não saiba que o é, sem ter a consciência que lhe rouba a felicidade.
Assim, sendo o ser humano obrigado a ser lúcido (é-o por natureza), Fernando Pessoa sente-se condenado a sê-lo também, a pensar e a ser, consequentemente, infeliz.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Ao Gás
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
Que grande cobra, a lúbrica pessoa
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.
E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traîne imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.
Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,
Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
«Dó da miséria!… Compaixão de mim!…»
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!
Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde
Concentremo-nos apenas na segunda estrofe, para facilitar o esclarecimento dos aspectos dos poemas de Cesário Verde; Nesta estrofe é-nos revelada a imagem da cidade à noite, onde todos os versos identificam os candeeiros alinhados, ao longo da estrada. Podemos assim esclarecer a ligação da poesia de Cesário apenas com o sentido visão, com a visão pictórica onde a cor reina, onde a iluminação dos candeeiros sobressai nesta imagem imensamente escura que é a cidade à noite.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Cesário Verde, um pintor nascido poeta.
domingo, 21 de dezembro de 2008
Memória ao Conservatório Real
Alterações Climáticas - Primeiro Ministro
V Império
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
'Os nossos olhos são diferentes todos os dias'
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Fernando Pessoa na Publicidade
'Uma cinta Pompadour veste bem e ajuda sempre a vestir bem'
'Seja qual for a linha da moda na Toilette feminina é sempre indispensável uma cinta Pompadour.'
'Eu explico como foi (disse o homem triste que estava com uma cara alegre), eu explico como foi..."Quando tenho um automóvel, limpo-o. Limpo-o por diversas razões: para me divertir, para fazer exercício, para ele não ficar sujo. "O ano passado comprei um carro muito azul. Também limpava esse carro. Mas cada vez que o limpava, ele teimava em ir-se embora. O azul ia empalidecendo, e eu e a camurça é que ficávamos azuis. Não riam... A camurça ficava realmente azul: o meu carro ia passando para a camurça. Afinal, pensei, não estou limpando este carro: estou o desfazendo. "Antes de acabar um ano, o meu carro estava metal puro: não era um carro, era uma anemia. O azul tinha passado para a camurça. Mas eu não achava graça a essa transfusão de sangue azul. "Vi que tinha que pintar o carro de novo. Foi então que decidi orientar-me um pouco sobre esta questão dos esmaltes. Um carro pode ser muito bonito, mas, se o esmalte com que está pintado tiver tendência para a emigração, o carro poderá servir, mas a pintura é que não serve. A pintura deve estar pegada, como o cabelo, e não sujeita a uma liberdade repentina, como um chinó. Ora o meu carro tinha um esmalte chinó, que saía quando se empurrava. "Pensei eu: quem será o amigo mais apto a servir me de empenho para um esmalte respeitável? Lembrei-me que deveria ser o Bastos, lavadeira de automóveis com uma Caneças de duas portas nas Avenidas Novas. Ele passa a vida a esfregar automóveis, e deve portanto saber o que vale a pena esfregar. "Procurei-o e disse-lhe: Bastos amigo, quero pintar o meu carro de gente. Quero pintá-lo com um esmalte que fique lá, com um esmalte fiel e indivorciável. Com que esmalte é que hei-de pintar? "Com Berry/Loid, respondeu o Bastos e só uma criatura muito ignorante é que tem a necessidade de me vir aqui maçar com uma pergunta a que responderia do mesmo modo o primeiro chauffeur que soubesse a diferença entre um automóvel e uma lata de sardinhas". (Publicidade às tintas Berry/Loid).
Os último dez anos da vida de Fernando Pessoa foram dedicados à construção de slogans e textos publicitários. Pessoa limitou-se a ir para além de si, explorando ao pormenor todo o tipo de escrita.
Na publicidade, Pessoa fez-se sobressair afirmando que há dois aspectos fundamentais a ter em conta: 'o público a atingir e os processos a empregar para os atingir.'; dividiu ainda o público alvo em três categorias: 'o público em geral, o vago público possível, qualquer que seja e sem que se determine nele classificação alguma; o público rico e luxuoso, em que é próprio viajar, e que, deste modo, se distingue e se destaca do público em geral; o público especial, composto de elites, artistas, intelectuais, e outros assim, que, se por si não vale muito, vale todavia pela influência que dele irradia sobre o público rico, em primeiro lugar, sobre todo o público, em segundo.'.
Para Fernando Pessoa, a argumentação na publicidade não deve ser desprovida de elegância, contornando assim a ideia de texto publicitário.
O conceito de Advertising Crosswords foi explorado por Pessoa na elaboração dos seus textos publicitários; este conceito consiste em organizar problemas de palavras cruzadas, em que o nome do produto a publicitar irá ser a solução. A publicidade às tintas Berry/Loid tem este conceito predefinido. O problema desenvolve-se em redor do esmalte. O Homem triste quer um bom esmalte e vai ter com o senhor Bastos, que lhe responde sábio: Tintas Berry/Loid - solução apresentada;
Pessoa introduziu assim, no nosso país, o conceito de marketing.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Aquele Dia...
Estava no cimo da serra e, sem dar conta, nevava bastante. O nevoeiro caía desalmadamente e não havia como conter o desespero sentido no momento. Era um sentimento de clausura, de solidão, de desorientação total. Ninguém comunicava. Liz nem sabia ao certo se havia outro alguém por perto...
Sentia-se isolado, num espaço branco, vazio, mas que anteriormente havia abarrotado. Sentia-se como quem luta contra um colete de forças e acredita poder vencê-lo. Mas Liz sabia que era impossível vencer tais forças da Natureza.
Fala no momento angustiante, muito sofredor, por que passou quando o medo despertou e o desejo de reencontrar o filho se tornava cada vez mais forte. Relembra a decisão tomada, por desespero, de o procurar...sem sucesso. Liz descreve o nevão como sendo cada vez mais forte e impiedoso. O frio era mortal e fala ter-se perdido dele mesmo. Desmaiou.
Minutos, horas, talvez dias depois, diz Elizeu, desconhecedor do tempo que passou inconsciente, despertou. Estava numa residência que acolhia vítimas da tempestade.
Na verdade, Liz passou três dias sobre o gelo. Considero um verdadeiro milagre, um homem com os seus sessenta anos, mesmo apresentando estatura alta e sendo notavelmente forte, tenha sobrevivido a tão penosa tragédia.
Liz, como lhe chamo, olhou-me nos olhos e pediu para ver o filho, Francisco, que havia estado com ele aquando a tempestade.
Francisco, de trinta e dois anos e notáveis problemas cardíacos, era a única família próxima que restava a Liz.
Não contive as lágrimas. Passados poucos minutos, procurei-o com os olhos, num olhar desmentido, e falei-lhe na morte do filho.
Liz não teve reacção imediata. Apenas uns minutos mais tarde deixou molhar a face com lágrimas de sofrimento, mantendo a sua expressão imóvel.
A situação da sua saúde complicou-se com a notícia da morte do seu ente. Elizeu desenvolveu problemas mentais e paralisias.
Passou a reviver em vez de viver.
Liz apenas guardou na sua memória o sofrimento por que passou naqueles longos dias. Acordava todos os dias, mas vivia apenas um. Contava-me sempre a história 'daquele dia'.
Acompanhava Liz sempre que podia. Nas refeições, eu estava presente. Também lia bastante para ele. Sabia que ele me reconhecia pelo brilho nos olhos com que me recebia.
Com o passar do tempo, a saúde de Liz ia agravando, chegando ao ponto de o impedir de falar como outrora o fazia.
Das poucas palavras que falava, Liz repetia as palavras - neve, serra, filho, morrer -, deixando cair uma lágrima ao repetir-las consecutivamente.
Chegado, novamente, o tempo dos dias frios e das tempestades, saí da residência de acolhimento, acompanhada por Liz.
Decidi levá-lo novamente à Serra, precisamente ao local onde foi encontrado o corpo gélido e morto de Francisco.
Chegados ao local, notei que havia um misto de emoções em Liz. Tinha um brilho nos olhos e a face lavada em lágrimas.
Pediu-me que o estendesse sobre a neve, onde havia morrido o filho.
O céu estava limpo e escuro. Era possível observar estrelas enormes e brilhantes.
Sentei-me a seu lado. Peguei-lhe na mão e comecei a ler-lhe um livro.
Liz agradeceu-me. Era notável a felicidade que sentia por estar sobre aquela neve. Talvez o fizesse sentir-se mais próximo de Francisco.
Sentia que Liz me apertava várias vezes a mão, com a pouca força que tinha, em sinal de gratidão.
Horas mais tarde, sob aquele céu reluzente, estendido na neve onde morrera Francisco, com um sorriso nos lábios e os olhos molhados de lágrimas, Liz morre.