sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Fernando Pessoa na Publicidade

'Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.'

'Uma cinta Pompadour veste bem e ajuda sempre a vestir bem'

'Seja qual for a linha da moda na Toilette feminina é sempre indispensável uma cinta Pompadour.'

'Eu explico como foi (disse o homem triste que estava com uma cara alegre), eu explico como foi..."Quando tenho um automóvel, limpo-o. Limpo-o por diversas razões: para me divertir, para fazer exercício, para ele não ficar sujo. "O ano passado comprei um carro muito azul. Também limpava esse carro. Mas cada vez que o limpava, ele teimava em ir-se embora. O azul ia empalidecendo, e eu e a camurça é que ficávamos azuis. Não riam... A camurça ficava realmente azul: o meu carro ia passando para a camurça. Afinal, pensei, não estou limpando este carro: estou o desfazendo. "Antes de acabar um ano, o meu carro estava metal puro: não era um carro, era uma anemia. O azul tinha passado para a camurça. Mas eu não achava graça a essa transfusão de sangue azul. "Vi que tinha que pintar o carro de novo. Foi então que decidi orientar-me um pouco sobre esta questão dos esmaltes. Um carro pode ser muito bonito, mas, se o esmalte com que está pintado tiver tendência para a emigração, o carro poderá servir, mas a pintura é que não serve. A pintura deve estar pegada, como o cabelo, e não sujeita a uma liberdade repentina, como um chinó. Ora o meu carro tinha um esmalte chinó, que saía quando se empurrava. "Pensei eu: quem será o amigo mais apto a servir me de empenho para um esmalte respeitável? Lembrei-me que deveria ser o Bastos, lavadeira de automóveis com uma Caneças de duas portas nas Avenidas Novas. Ele passa a vida a esfregar automóveis, e deve portanto saber o que vale a pena esfregar. "Procurei-o e disse-lhe: Bastos amigo, quero pintar o meu carro de gente. Quero pintá-lo com um esmalte que fique lá, com um esmalte fiel e indivorciável. Com que esmalte é que hei-de pintar? "Com Berry/Loid, respondeu o Bastos e só uma criatura muito ignorante é que tem a necessidade de me vir aqui maçar com uma pergunta a que responderia do mesmo modo o primeiro chauffeur que soubesse a diferença entre um automóvel e uma lata de sardinhas". (Publicidade às tintas Berry/Loid).

Os último dez anos da vida de Fernando Pessoa foram dedicados à construção de slogans e textos publicitários. Pessoa limitou-se a ir para além de si, explorando ao pormenor todo o tipo de escrita.
Na publicidade, Pessoa fez-se sobressair afirmando que há dois aspectos fundamentais a ter em conta: 'o público a atingir e os processos a empregar para os atingir.'; dividiu ainda o público alvo em três categorias: 'o público em geral, o vago público possível, qualquer que seja e sem que se determine nele classificação alguma; o público rico e luxuoso, em que é próprio viajar, e que, deste modo, se distingue e se destaca do público em geral; o público especial, composto de elites, artistas, intelectuais, e outros assim, que, se por si não vale muito, vale todavia pela influência que dele irradia sobre o público rico, em primeiro lugar, sobre todo o público, em segundo.'.
Para Fernando Pessoa, a argumentação na publicidade não deve ser desprovida de elegância, contornando assim a ideia de texto publicitário.
O conceito de Advertising Crosswords foi explorado por Pessoa na elaboração dos seus textos publicitários; este conceito consiste em organizar problemas de palavras cruzadas, em que o nome do produto a publicitar irá ser a solução. A publicidade às tintas Berry/Loid tem este conceito predefinido. O problema desenvolve-se em redor do esmalte. O Homem triste quer um bom esmalte e vai ter com o senhor Bastos, que lhe responde sábio: Tintas Berry/Loid - solução apresentada;
Pessoa introduziu assim, no nosso país, o conceito de marketing.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cara Nadia, saberia dizer-me a que se refere o termo "caneças com duas portas"? Será um automóvel?
Obrigada